1 Jul 2012

Chifre: um par de anos


Tem apenas dois anos e já conta com um reconhecimento difícil de atingir na música nacional. Podíamos estar a falar de várias bandas portuguesas recentes, mas hoje esta descrição serve a história da Chifre. É editora independente, tem já cinco artistas e bandas e muitos projectos para os próximos tempos. Celebrou o segundo aniversário a 28 de Junho, com festa a rigor no Ritz Club.

Quando regressaram a Portugal depois de quase uma década em Manchester, Francisco Santos Silva e Vanda Noronha encontraram um país onde, depois de algum tempo de produtividade escassa, se voltava a fazer boa música. Muitas horas passadas na Fnac a ouvir essa música e Os Quais despertaram-lhes o gosto e a ideia. Havia espaço para um projecto novo, havia bandas para uma editora independente.
Fizeram uma lista com nomes possíveis mas Chifre acabou por sair de uma sugestão espontânea, a lembrar o símbolo do rock. O passo seguinte foi registar o domínio e estava criada a editora, com um investimento inicial único de 14,99 euros (o custo do registo). Daí ao manifesto foi um instante e começaram a chamar artistas.

Na origem da editora estavam ainda Pedro da Rosa (Os Golpes, A Armada) e Joana Maria. Mais tarde, juntaram-se à família Chifre Marta Fonseca Moiteiro e depois Pedro Moreira Dias.

O primeiro objectivo era simples – “vender música e os seus artistas”, recorda Francisco. E é esse o desígnio que ainda hoje caracteriza a Chifre – a editora não lucra mais com a música dos que os artistas que a fazem. É uma espécie de comércio justo, como as bananas ou o café, dizem os fundadores.

Na base da empresa há espaço para outro pilar – a paixão pela música, fundamental para seguir o trabalho que dá esta editora em idade de toddler. O gosto e o trabalho são, aliás, dos substantivos repetidos ao longo da conversa, quase sempre lado a lado. É com eles que Vanda descreve o processo de gravação e lançamento dos primeiros trabalhos. Em Outubro de 2011, foram feitos 2000 CDs, gravados, imprimidos e verificados um a um pelos quatro colaboradores da Chifre.

Não é loucura, mas estratégia profissional. É que assim, ao centrar na editora trabalhos que poderiam ser subcontratados, eliminam-se gastos pelo caminho. E como cada peça produzida pela Chifre é única – dos álbuns ao merchandise – garantem o seu acompanhamento total, da concepção à venda.

David Pires, Ritz Club

Isto não é um negócio
Não têm pressa no fazer; preferem fazer com calma, bem feito. Por isso esperaram um ano desde o registo da empresa (recorde-se que o investimento inicial nem chegou a 15 euros) até ao lançamento oficial numa festa de apresentação no Musicbox, na qual conseguiram angariar fundos para pôr a editora a mexer. Gravaram os três primeiros trabalhos – o EP de David Pires e os álbuns de Diego Armés e Capitão Fausto – e hoje não têm dívidas. Desejaram que este ano trouxesse o mesmo que o anterior – porque a satisfação pessoal do sucesso do projecto é recompensadora – mas mais algum dinheiro. Apesar de ser auto-suficiente, o projecto ainda não gera um ordenado para Vanda e Marta, que se dedicam a tempo inteiro ao projecto. 

“Não temos dívidas mas não temos fortunas pessoais”. Vanda explica que o risco de iniciar este projecto tinha apenas a ver com o tempo e trabalho investidos. “O risco seria muito maior se nós quiséssemos fazer disto um negócio”, acrescenta Pedro. Mas por acreditarem no potencial dos músicos, a aposta estava ganha à partida.

O bom senso dita que esse potencial seja recompensado, acima de tudo. A Chifre acredita que só faz sentido que a música pertença a quem a faz. Assim, os artistas recebem metade dos lucros da venda de cada disco, o que pode chegar a 4,5 euros e contrasta com valores praticados na indústria. Algumas editoras entregam aos artistas apenas 9 cêntimos por cada disco vendido, depois de se atingir o break-even em relação ao custo investido na produção do álbum.

Fazendo também o agenciamento das bandas, não são “capazes de vender concertos que sejam maus”, diz Francisco. Pedro intervém para falar da selecção dos artistas: “há outra premissa que é extremamente importante para nós. Temos que ver as bandas ao vivo e tem de ser um grande concerto ao vivo”.

Diego Armés, Ritz Club

“Temos de ser fãs de todas as nossas bandas. E somos”
O carisma é elemento comum aos artistas. Diego Armés, o vocalista dos Feromona e cavalheiro trovador de Canções para Senhoras nas horas vagas, é mistura de Alfama e whisky, descreve Marta. David Pires é o bateria “inteligente” e “sensível” (nas palavras de Samuel Úria), para Vanda, “muito zen”. “Só uma pessoa como ele podia fazer aquela cover da Telepatia”, remata Pedro. Os TV Rural, banda de culto que se demarca dos outros agenciados pelo seu longo percurso, são, por isso mesmo, piratas, lobos do mar. Para os Capitão Fausto a descrição é rapidamente atirada por Vanda: “uma festa prog com pop no meio e adolescência”. As Anarchicks, punk feminino recém-chegado à Chifre, são as riot girls do catálogo.
Cobiçam Os Quais, Salto, Da Chick e Alex D’Alva Teixeira, mas são firmes em dizer que estes artistas estão bem nas suas editoras.

Apesar dos pontos comuns, os estilos dos artistas da Chifre desencontram-se mas agradam. “Temos de ser fãs de todas as nossas bandas. E somos”, afirma Francisco. Quando há desacordo, o fundador ouve os álbuns das bandas e conclui que o trabalho e as discussões são compensados pela qualidade da música e dos espectáculos.

João Gil e João Salcedo acompanham Diego Armés, Ritz Club

Música para além dos tops
Até agora com artistas a cantar em português, a língua não tem sido barreira, apesar de as Anarchicks virem preencher uma falha reconhecida pela editora na sua oferta. Ainda assim, a Chifre foi contactada por uma locutora de rádio de Nova Iorque a fazer um programa com spotlights em várias cidades, pedindo o envio dos mp3 das músicas para as transmitir numa edição sobre Lisboa.

O mercado português é reduzido mas a limitação maior está noutro entrave que não o seu tamanho. Sendo controlado pela Associação Fonográfica Portuguesa, as editoras independentes não entram nas contagens e tops oficiais nem têm palavra sobre, por exemplo, as medidas anti-pirataria.

Por isso, e porque a Chifre não é de resignações, juntou-se a outras editoras independentes (Meio Fumado, a PAD, Lovers & Lollypops, Groovement, Boom Chicka Boom, Raging Planet) e a agentes (como João Bizarro), para formar a Associação de Músicos, Artistas e Editoras Independentes (AMAEI). Fazer tops próprios e apostar na internacionalização de artistas (para além do Fado) são objectivos de futuro.

Anarchicks, Ritz Club
Ana Moreira, Anarchicks, Ritz Club

Com tanta iniciativa e coragem, a Chifre já mudou a música portuguesa?
A princípio dizem um não redondo que passa a talvez quando vêm a Chifre dentro de um movimento de nova expressão da música portuguesa, ao lado de outras editoras independentes. Se alguma mudança houve, foi pelos artistas, asseguram. Acabam por concordar que terão, pelo menos, uma nota de rodapé no compêndio da música nacional dos anos 2000.

Até ao terceiro aniversário, será um dia de cada vez e alguns projectos a médio prazo. Gravar mais discos e apostar a sério na venda online do catálogo são algumas das ideias para este Verão, que não incluem necessariamente novos artistas mas não excluem quem cativar a editora nos próximos tempos. Entretanto, vão vivendo o sonho com a satisfação de gostar do trabalho que estão a fazer. Francisco resume de forma simples: “há muita gente que pagava pela vida que nós estamos a ter”.